domingo, 15 de julho de 2012

Crise econômica precipita debate sucessório e obriga Dilma abrir agenda à política tradicional (Josias de Souza)


Após acertar-se com o PMDB de Temer, Dilma foi sorrir para o PT na casa de Marco Maia
Improvisada por Lula na política, dona de perfil técnico, Dilma Rousseff faz cara de nojo para o modelo que vigora no Brasil desde a redemocratização, em 1985 –prevê a troca de governabilidade por favores políticos e monetários. Nos últimos dias, a presidente da República viu-se obrigada a superar a pretensa aversão. Abriu o cofre das emendas orçamentárias e a agenda, reativando a chama do velho modelo.
Dilma enxergara na crise econômica um pretexto para potencializar a preterição aos partidos. Com o PIB na UTI, ela priorizara as reuniões técnicas. Em movimento simultâneo, os partidos vislumbraram na mesma crise financeira matéria prima para antecipar o debate sobre a sucessão de Dilma. Ao notar que a discussão dos aliados contemplava planos alternativos à sua reeleição, a presidente acordou.
No intervalo de uma semana, Dilma reachegou-se ao PMDB do vice Michel Temer, distribuiu sorrisos num encontro noturno do PT e protagonizou três movimentos destinados a demonstrar que não está alheia às candidaturas presidenciais que vicejam no calendário eleitoral de 2012: Eduardo Campos (PSB), Aécio Neves (PSDB) e Lula III.
Num movimento, Dilma aconselhou-se com Lula. Ouviu dele, pelo telefone, que era preciso dar atenção à política. Noutro, arrancou do pseudoaliado Eduardo, na mesa de jantar do Alvorada, a declaração de que o veneno que o PSB serve ao PT nos municípios não intoxicará as relações da legenda com o governo federal. Numa terceira mexida, Dilma atravessou no caminho do tucano Aécio a pedra Patrus Ananias, um candidato competitivo do PT à prefeitura de Belo Horizonte.
Deve-se o despertar de Dilma, em boa medida, a Lula. Abriram-lhe os olhos o aconselhamento e, sobretudo, o comportamento do patrono. Para entender o que se passa, convém ouvir a explicação de um dirigente do PMDB: ao privilegiar a economia, Dilma converteu Lula numa espécie de muro das lamentações dos políticos do seu condomínio.
Desprezados em Brasília, os aliados passaram a enxergar no Instituto Lula, em São Paulo, na expressão do cacique pemedebê, um “gabinete presidencial do B.” As queixas e pedidos que Dilma represou passaram a desaguar nos ouvidos do antecessor, sempre abertos à política. Levada ao paroxismo, a situação faria de Lula articulador oficioso do governo que já não preside e de Dilma desarticuladora oficial do governo que deveria presidir. A titular preferiu acordar.
Ao mergulhar na política, Dilma revela disposição para entrar num jogo do qual parecia se auto-excluir. “Quando terminar o mandato, ela vai devolver as chaves para o PT”, chegou a dizer, num diálogo reservado, Eduardo Campos. Ficou entendido que a inquilina do Planalto deseja renovar o contrato por mais quatro anos. Resta saber até onde irá a paciência de Dilma e sua disposição para pagar o preço.
Nos primeiros oito meses de seu mandato, Dilma assistiu à conversão de seis ministérios em escândalos. O modo como lidou com a sujeira, trocando ministros como quem troca de sapatos, rendeu-lhe popularidade. Combinadas com os ataques aos juros cobrados pelos bancos, as vassouradas resultaram numa taxa notável. Segundo o último Ibope, 72% dos eleitores confiam em Dilma.
O apreço pela presidente cresceu na proporção direta do menosprezo devotado pelo brasileiro aos políticos. A platéia passou a enxergar em Dilma uma mandatária diferente. Essa aura de distinção, esboçada também nas pesquisas feita por encomenda do Planalto, tende a dissipar-se na medida em que Dilma, por necessidade ou conveniência, entrega-se ao velho modelo.
Dito de outro modo: em vez de ser vista como baluarte da resistência aos maus costumes, Dilma corre o risco de levar à moldura o retrato da rendição. No ano passado, um ex-ministro de Lula dissera que a faxina ministerial havia inaugurado nos partidos a “política do cá te espero.” Cedo ou tarde, a faxineira precisaria recorrer ao lixão, reciclando seus métodos. A hora da reciclagem chegou mais cedo do que Dilma gostaria.
No painel de controle do Planalto, 2012 aparece como um ano perdido. Dilma e seus operadores econômicos já contabilizam um crescimento miúdo. Com sorte, o PIB ficará nas redondezas dos 2%. Com azar, cairá abaixo de 1,5%. O governo tenta agora salvar o ano pré-eleitoral de 2013.
Incomodada com a relutância do empresariado em retomar os investimentos, Dilma joga suas fichas na expansão dos investimentos públicos, do crédito bancário e do consumo. O governo puxa para baixo a taxa de juros. Já editou nove minipacotes econômicos. E nada. A inadimplência é alta, a disposição para o consumo é mais baixa do que Brasília supunha e a capacidade dos ministérios de converter verbas disponíveis em investimentos é ainda menor.
Em reuniões sucessivas, Dilma cobra dos auxiliares impulso às inversões do setor público. Por ora, prega no vazio. Num desafio à fama de gestora da presidente, o governo não consegue nem mesmo gastar o dinheiro que está disponível no Orçamento da União. Afora a conhecida ineficiência das engrenagens da máquina, conspiram contra o destravamento de obras e projetos o medo da corrupção.
Encontra-se no Dnit, órgão que cuida da construção e manutenção das rodovias federais, o quadro mais sintomático. Alcançada pela faxina do ano passado, a repartição pisou no freio. A pretexto de fugir dos malfeitos que costumam fazer a festa dos auditores do TCU e da CGU, o Dnit passou a liberar verbas em conta-gotas, num ritmo paralisante.
É contra esse pano de fundo que Dilma tenta atenuar o desastre anunciado de 2012 e aparelhar-se para a pretendida reação de 2013. Planeja, por exemplo, ampliar as concessões de aeroportos, portos e rodovias. Uma forma de atenuar a sensação de descaso com o estratégico setor da infraestrutura.
Os aliados observam a movimentação de Dilma, olham para a encrenca da Europa e fazem o seu preço. O menosprezo de Dilma pelos partidos elevou o valor da fatura do apoio político. Ao distribuir conselhos à sua pupila, Lula recomendou-lhe que desse atenção especial ao PMDB. Fala com conhecimento de causa.
No seu primeiro reinado, Lula dera de ombros para o PMDB. Entendera-se com o pedaço do partido controlado pelos senadores José Sarney e Renan Calheiros e desprezara o grupo da Câmara, liderado por Michel Temer. A tática desembocou no mensalão. No segundo reinado, Lula atraiu o PMDB da Câmara e obteve o que se convencionou chamar de “governabilidade”.
Ao empinar a candidatura presidencial de sua chefe da Casa Civil, Lula cuidou de elevar o status do PMDB, enfiando-o na vice de Dilma. Tentou emplacar Henrique Meirelles, então presidente do Banco Central. Teve de digerir Temer. Agora, Lula incomoda-se com o modo como Dilma trata –ou tratava— seu vice e o partido dele.
Lula não exclui de seus planos a hipótese de substituir Temer na chapa de 2014. Mas considera que, a dois anos da sucessão, não é hora insinuar esse tipo movimento. Muito menos sob atmosfera de crise. Atento ao movimento das nuvens, o naco do PMDB leal a Temer olha para Dilma de esguelha. Estende-lhe a mão sem deixar de lançar olhares por cima dos ombros.
Dono de formidável máquina partidária e vistosa de vitrine eletrônica no rádio e na tevê, o PMDB não dispõe de candidato à Presidência. Nessa condição paradoxal, tornou-se novamente o que um de seus líderes chama de “a noiva mais cobiçada do pedaço”. Aécio Neves sempre ambicionou levar a “noiva” ao altar. Eduardo Campos entrou na fila.
Sabendo-se cobiçado, o PMDB atende aos interesses de Dilma de olho nas compensações. Acaba de ceder seu tempo de tevê a Patrus Ananias, o candidato que a presidente pôs em pé na praça de Belo Horizonte. Agora, espera ser chamado para uma conversa sobre reforma ministerial depois que forem abertas as urnas de outubro. O PMDB considera-se subrepresentado na Esplanada.
Para o comando do PMDB, uma reforma pós-eleitoral permitiria a Dilma escalar o time com o qual pretende jogar em 2014. Para atender à legenda, a presidente teria de desagradar outras agremiações. O PT já traz entreaberta a porta do seu paiol. Vem daí a grande dúvida: até onde irá a paciência de Dilma para jogar esse jogo?
Para complicar, há a crise econômica. Se não for capaz de oferecer respostas à encrenca financeira, ainda que se revele dotada de uma paciência de Jó, Dilma talvez não consiga deter a marcha dos projetos presidenciais alternativos.
Lula já declarou que, para evitar a volta dos tucanos, admite ser re-re-recandidato. Aécio Neves fala em “fim de ciclo”. Eduardo Campos observa a saúde de Lula com a mesma atenção que dedica aos sinais de debilidade da economia. E o PMDB procura a melhor posição no altar.

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Médico Clínico e Sanitarista - Doutor em Saúde Pública - Coronel Reformado do Quadro de Dentistas do Exército. Autor dos livros "Sistemismo Ecológico Cibernético", "Sistemas, Ambiente e Mecanismos de Controle" e da Tese de Livre-Docência: "Profilaxia dos Acidentes de Trânsito" - Professor Adjunto IV da Faculdade de Medicina (UFF) - Disciplinas: Epidemiologia, Saúde Comunitária e Sistemas de Saúde. Professor Titular de Metodologia da Pesquisa Científica - Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FESO). Presidete do Diretório Acadêmico da Faculdade Fluminense de Odontologia. Fundador do PDT, ao lado de Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Carlos Lupi, Wilson Fadul, Maria José Latgé, Eduardo Azeredo Costa, Alceu Colares, Trajano Ribeiro, Eduardo Chuy, Rosalda Paim e outros. Ex-Membro do Diretório Regional do PDT/RJ. Fundador do Movimento Verde do PDT/RJ. Foi Diretor-Geral do Departamento Geral de Higiene e Vigilância Sanitária, da Secretaria de Estado de Saúde e Higiene/RJ, durante todo o primeiro mandato do Governador Brizola.